São tantas notícias ruins que às vezes
tentamos nos blindar para não recebe-las, seja desligando a TV ou fechando mais
uma página da internet. Infelizmente, essa semana o Brasil foi vítima de uma
tragédia escolar que se torna cada dia mais assustadora, principalmente por ser
tão próximo, em amplos sentidos. Tenho uma filha de 13 anos, que, como todo
adolescente, é bem imaginativa e levada. E, ao me deparar com a situação
vivenciada essa semana em Goiania, foi impossível não me colocar no lugar dos
pais, tanto dos que perderam seus filhos, e nisso a morte é irreparável, quanto
do jovem atirador. É uma situação tão terrível, que por isso mesmo é
inimaginável o sofrimento decorrente de um momento.
No mês de janeiro, fiz uma maratona
pessoal para ver os filmes que Tony havia gravado na box. Um deles foi
"Força para viver" (Rudderless, 2015), que aborda o efeito da ação do
atirador sobre a vida da família. Frequentemente, eles se matam. Mas, a família
fica com a dor e o fardo para toda existência. É um belíssimo filme, que mostra um
outro lado da moeda, que até então, não havia se descortinado para mim. Pena que não se restringe a ficção. Desde
então, fico sempre pensando nos amplos aspectos da tragédia, sem procurar
culpado, nem levantar hipóteses bobas baseadas no velho "e se...?" E
se o menino não fosse a escola naquele dia? E se ele tivesse falado a alguém o
quanto sofria? E se alguém tivesse orientado os meninos de uma maneira melhor?
E se... Mas, o tempo não volta atrás.
Já li muito sobre bullying, até porque,
além de ser mãe, sou professora. Convivo com adultos jovens e não tão jovens,
num momento da vida em que tudo que eles querem é terminar a graduação. Como já
são (um pouco e alguns) mais maduros, não tenho que conviver com essa prática
que é típica do final da infância e da adolescência. Minha filha já foi vítima
de bullying na escola. Como ela sempre foi maior que os outros meninos e
gordinha, não escapou do rótulo cruel de "baleia", entre outros
bichos gordos. Uma vez, quando estávamos em Portugal, fui busca-la na escola e
a encontrei muito triste. No caminho para a padaria, ela me contou das
agressões feitas por um menino. Eu, grosseiramente, aconselhei a dizer-lhe,
caso o chatinho atacasse novamente: "Vai pastar!" Na outra aula,
(isso era na aula de ginástica), quando fui buscá-la, ela estava menos triste.
Contou-me que o menino foi abusar com ela, e ela tacou o "vai
pastar", e ele, surpreso com a reação tipicamente brasileira, ficou sem
resposta. No outro dia, fui falar à professora, que repassou ao professor de
Ginástica, que tomou uma excelente atitude: marcou um jogo de futebol e escalou
o tal menino num time, e Luiza no outro. Ela, ficou de guarda redes (goleira).
Como ela era maior que os demais meninos, ficou fácil: não passava nada, ela
pegou todas a bolas e o time dela venceu. O moleque ficou na dele, só olhando
de longe. Na outra semana, na hora de tirar o time, todos queriam Ana Lu no
gol, que segundo eles "defendia como o Rui Patrício"! Dessa vez, Luiza
foi ao gol do time do agressor, fez um bom trabalho e terminaram amigos. Final
feliz na nossa história, graças a Deus.
Refletindo a minha própria experiência,
preciso reconhecer que me identifico com o agressor. E faço um mea
culpa, trinta e quatro anos depois. Tinha 10 anos, e fazia quarta
série na Escola Adventista, onde estudava desde a Alfabetização. Neste ano,
recebemos dois colegas novos: a filha de um pastor novato e um rapazinho pálido
e tímido. A jovem, extrovertida, inteligentíssima, criativa, foi logo aceita ao
grupo. O menino, desde o primeiro dia recebeu várias alcunhas cruéis. E, eu
reconheço, estava no meio do grupo que ocupava o tempo arranjando todo tipo de
história, só para aborrecer o menino. Só paramos quando a professora Madalena,
então diretora da Escola, nos chamou e passou-nos um sermão. Minha mãe foi chamada
lá, e teve que ouvir uma preleção sobre respeito e solidariedade. Coitada da
minha mãe, ao sair da diretoria, estava branca como um papel. Era vergonha, a
única coisa que restava a uma viúva pobre e cheia de filhas. Do jeito dela,
pegou no couro que cobria minhas costelas e torceu, dizendo entre dentes:
"em casa, a gente conversa."
Hoje, olhando para trás, entendo o que
fiz. Fui uma agressora. E sinto vergonha. Diante de tanto sofrimento causado
pelo bullying, me arrependo sinceramente. Se a brincadeira só diverte a quem
faz, e constrange a quem é objeto da ação, é melhor parar. Infelizmente, o
tempo não volta atrás, mas, nada me impede de fazer desse dia, o momento de
pedir perdão. Minha vítima de ontem, hoje é meu colega de profissão, bom
marido, excelente pai. Acompanho seus posts através da rede social, que me
proporciona a oportunidade de dizer: Ivison, me desculpe pela chateação na
quarta série. Eu fui uma imbecil, e, como compensação, faço o compromisso de
combater essa prática, que mesmo que já tenha sido compreendida como
"coisa de criança", resulta em sofrimento, o que faz do mundo um
lugar pior para viver.
Fiquem com Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário