domingo, 22 de outubro de 2017

Reconhecimentos



São tantas notícias ruins que às vezes tentamos nos blindar para não recebe-las, seja desligando a TV ou fechando mais uma página da internet. Infelizmente, essa semana o Brasil foi vítima de uma tragédia escolar que se torna cada dia mais assustadora, principalmente por ser tão próximo, em amplos sentidos. Tenho uma filha de 13 anos, que, como todo adolescente, é bem imaginativa e levada. E, ao me deparar com a situação vivenciada essa semana em Goiania, foi impossível não me colocar no lugar dos pais, tanto dos que perderam seus filhos, e nisso a morte é irreparável, quanto do jovem atirador. É uma situação tão terrível, que por isso mesmo é inimaginável o sofrimento decorrente de um momento. 

No mês de janeiro, fiz uma maratona pessoal para ver os filmes que Tony havia gravado na box. Um deles foi "Força para viver" (Rudderless, 2015), que aborda o efeito da ação do atirador sobre a vida da família. Frequentemente, eles se matam. Mas, a família fica com a dor e o fardo para toda existência. É um belíssimo filme, que mostra um outro lado da moeda, que até então, não havia se descortinado para mim. Pena que não se restringe a ficção. Desde então, fico sempre pensando nos amplos aspectos da tragédia, sem procurar culpado, nem levantar hipóteses bobas baseadas no velho "e se...?" E se o menino não fosse a escola naquele dia? E se ele tivesse falado a alguém o quanto sofria? E se alguém tivesse orientado os meninos de uma maneira melhor? E se... Mas, o tempo não volta atrás.

Já li muito sobre bullying, até porque, além de ser mãe, sou professora. Convivo com adultos jovens e não tão jovens, num momento da vida em que tudo que eles querem é terminar a graduação. Como já são (um pouco e alguns) mais maduros, não tenho que conviver com essa prática que é típica do final da infância e da adolescência. Minha filha já foi vítima de bullying na escola. Como ela sempre foi maior que os outros meninos e gordinha, não escapou do rótulo cruel de "baleia", entre outros bichos gordos. Uma vez, quando estávamos em Portugal, fui busca-la na escola e a encontrei muito triste. No caminho para a padaria, ela me contou das agressões feitas por um menino. Eu, grosseiramente, aconselhei a dizer-lhe, caso o chatinho atacasse novamente: "Vai pastar!" Na outra aula, (isso era na aula de ginástica), quando fui buscá-la, ela estava menos triste. Contou-me que o menino foi abusar com ela, e ela tacou o "vai pastar", e ele, surpreso com a reação tipicamente brasileira, ficou sem resposta. No outro dia, fui falar à professora, que repassou ao professor de Ginástica, que tomou uma excelente atitude: marcou um jogo de futebol e escalou o tal menino num time, e Luiza no outro. Ela, ficou de guarda redes (goleira). Como ela era maior que os demais meninos, ficou fácil: não passava nada, ela pegou todas a bolas e o time dela venceu. O moleque ficou na dele, só olhando de longe. Na outra semana, na hora de tirar o time, todos queriam Ana Lu no gol, que segundo eles "defendia como o Rui Patrício"! Dessa vez, Luiza foi ao gol do time do agressor, fez um bom trabalho e terminaram amigos. Final feliz na nossa história, graças a Deus.

Refletindo a minha própria experiência, preciso reconhecer que me identifico com o agressor. E faço um mea culpa, trinta e quatro anos depois. Tinha 10 anos, e fazia quarta série na Escola Adventista, onde estudava desde a Alfabetização. Neste ano, recebemos dois colegas novos: a filha de um pastor novato e um rapazinho pálido e tímido. A jovem, extrovertida, inteligentíssima, criativa, foi logo aceita ao grupo. O menino, desde o primeiro dia recebeu várias alcunhas cruéis. E, eu reconheço, estava no meio do grupo que ocupava o tempo arranjando todo tipo de história, só para aborrecer o menino. Só paramos quando a professora Madalena, então diretora da Escola, nos chamou e passou-nos um sermão. Minha mãe foi chamada lá, e teve que ouvir uma preleção sobre respeito e solidariedade. Coitada da minha mãe, ao sair da diretoria, estava branca como um papel. Era vergonha, a única coisa que restava a uma viúva pobre e cheia de filhas. Do jeito dela, pegou no couro que cobria minhas costelas e torceu, dizendo entre dentes: "em casa, a gente conversa." 

Hoje, olhando para trás, entendo o que fiz. Fui uma agressora. E sinto vergonha. Diante de tanto sofrimento causado pelo bullying, me arrependo sinceramente. Se a brincadeira só diverte a quem faz, e constrange a quem é objeto da ação, é melhor parar. Infelizmente, o tempo não volta atrás, mas, nada me impede de fazer desse dia, o momento de pedir perdão. Minha vítima de ontem, hoje  é meu colega de profissão, bom marido, excelente pai. Acompanho seus posts através da rede social, que me proporciona a oportunidade de dizer: Ivison, me desculpe pela chateação na quarta série. Eu fui uma imbecil, e, como compensação, faço o compromisso de combater essa prática, que mesmo que já tenha sido compreendida como "coisa de criança", resulta em sofrimento, o que faz do mundo um lugar pior para viver.


Fiquem com Deus. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário